Interessante que essa não é a pergunta principal dos casais. Infelizmente quando eles chegam a fazer o primeiro contato para agendar as entrevistas iniciais já estão tão exaustos de brigas, conflitos, silêncios, e o sofrimento já ultrapassou os níveis suportáveis, já fizeram outras tentativas e estão tão desacreditados e o relacionamento está em crise.
A psicoterapia é quase sempre a última possibilidade. Mas vamos a pergunta?
Sim, a terapia de casal funciona! Como em qualquer processo de psicoterapia ela sempre vai proporcionar mobilização dos afetos em algum nível, quanto maior a mobilização maiores as possibilidades de mudanças.
Mas, é importante esclarecer que não é objetivo da terapia de casal salvar o relacionamento. Ela pode, sim, promover a transformação do relacionamento em uma relação mais satisfatória e saudável.
O objetivo principal para um relacionamento em crise é reestabelecer o diálogo de forma sincera e respeitosa, e a palavra diálogo já sugere uma conversa entre duas pessoas, ou seja, ambas falam e se escutam. Mas não é ouvir apenas com os ouvidos, é “Escutar” e numa postura generosa, enquanto o outro fala eu me volto intencionalmente para ele com toda minha percepção atenta a fala, aos olhos, a expressão do rosto, do corpo para tentar “Compreender” o que ele me fala.
Acontece que na maior parte do tempo as nossas interações, inclui-se todas os tipos, mas principalmente entre os casais em crise ocorrem apenas pelo aparelho de audição, se ouvem, isso quando se ouvem.
Enquanto um fala o outro ouve com os ouvidos, mas sua atenção está toda voltada para formular sua resposta, ou ataque, ele não está disponível para escutar o que o outro está dizendo.
Rubens Alves tem uma crônica fabulosa sobre isso que se chama “Escutatória”, ele já começa o texto com as seguintes provocações: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.”
A terapia de casal vai começar por esse ponto especifico, convidando os cônjuges que estão num relacionamento em crise ao aprendizado de escutar. E o psicoterapeuta é convocado para atuar como mediador entre eles para ir aos poucos, com delicadeza e tato, através da escuta generosa, das falas circulares, dos momentos de silêncio para reflexão, encontrando e ou construindo caminhos para desfazer o nó.
Diferente de uma psicoterapia individual onde o psicoterapeuta vai trabalhar a existência da pessoa, seu modo de se relacionar com o mundo e as pessoas, suas restrições e possibilidades, a terapia de casal irá atuar na relação do casal.
Por isso a expressão “um mais um é igual a três”, é eu, você e nós dois. É a individualidade de cada um mais a conjugalidade construída por essas individualidades. O que provoca o sofrimento não é eu, ou você, somos nós e a forma como nos relacionamos. Não é o amor que faz a relação, antes é a relação que constrói e sustenta um amor.
Os benefícios reais para um relacionamento em crise começam pela ampliação e compreensão do que é crise, provavelmente o que é crise para um casal pode não ser para outro casal, a experiência de cada casal é única. A literatura específica para terapia de casal conceitua crise como resultado de várias etapas que começam com as diferenças na relação.
Mas diferenças e conflitos sempre vão existir em qualquer tipo de relacionamento, já dizia Sartre: “toda relação é conflito”, porque o conflito acontece porque eu sou eu e o outro é outro, nunca ocorrerá a convergência de um com o outro, o conflito é a preservação da diferença entre nós. Você pode me amar, mas eu nunca serei você, nem você será eu. Você sempre será outro para mim.
Confuso? Sim, e é essa confusão que nos levam aos conflitos. É difícil aceitar que o outro não pensa, não gosta, não concorda, não é como eu, e vice-versa. As diferenças são resolvidas com negociações que inclui a alternância da solução, ou seja, em cada novo conflito um deles tem sua proposta de solução aceita, assim ocorre que a contabilidade do casal se equilibra e cria-se o que chamamos de “patrimônio afetivo positivo”.
E quando não acontece essa alternância? É sempre o mesmo cônjuge que tem sua proposta de solução instalada. Nesses casos é comum que o outro com o tempo passe a se sentir desvalorizado, maltratado.
O modo relacional pode ser descrito como a relação de um astro e seu satélite. Quando diante dos impasses o casal não consegue agir com amorosidade e maturidade a relação caminha para a cronificação, que é a repetição dos impasses cotidianos banalizados.
Os cônjuges abandonam o cuidado da relação, renunciam as conversas para negociar acordos, de procurar alternativas para alentar o relacionamento.
A cronificação não acontece do dia para a noite, leva anos para se instaurar e se desenrola espontaneamente com a morte dos investimentos de energia psíquica, de buscar e arriscar caminhos novos de decisão, da força de vontade, do querer, do entusiasmo, do esforço e da dedicação dos parceiros.
Nessa etapa o relacionamento está em crise.
É aqui onde tudo parece estar perdido que a psicoterapia de casal apresenta benefícios reais para um relacionamento em crise. Volto a salientar que a terapia de casal não promete salvar casamento, mas se compromete com trabalho árduo com os cônjuges para ampliar a crise.
Como assim, ampliar? Sim, ampliar! Porque a crise vai provocar o casal a se perguntar: qual o lugar que “o outro” ocupará no seu próprio desejo? Qual o lugar que “ele” próprio ocupará no desejo do outro? Ao se questionarem e aprofundarem na reflexão, nos diálogos, estes levam o casal a olhar para as possibilidades que se abrem no horizonte: de separação, que é uma alternativa muito saudável dependendo do nível de cronificação e de sofrimento psíquico provocado pela crise, ou de manterem a união, a crise pode sacudir a relação que estava apática e em estado de cronificação.
Toda crise funciona como uma mola propulsora, ela é um movimento que provoca dor, dúvidas e questionamentos, é um descontruir e construir rico e tenso dentro da relação que é a casa que aquele casal habita.
Na crise é possível dar novo sentido para os sentimentos e desejos que formaram o casal e reaprender com as possibilidades para experimentar novas formas de se comunicar e enfrentar juntos as circunstancias comuns da vida a dois.
E então quais os benefícios da psicoterapia de casal? São muitos, mas para fechar:
Sustentar a possibilidade de um espaço neutro para o diálogo;
Identificar o modo relacional do casal;
Trabalhar a relação a partir do reconhecimento das individualidades e suas diferenças e a conjugalidade;
Levantar e identificar hipóteses para os pontos de conflitos, os nós da relação,
Oferecer a escuta e compreensão para ajudar a descontruir a trama antiga, os impasses, a cronificação;
Abrir espaço para a construção de um tecer de uma nova trama.
Referências:
ALVES, Rubem. (1999). O amor que acende a lua. 8ª edição. São Paulo: Papirus. Crônica Escutatória. Disponível em: https://www.caosmose.net/candido/unisinos/textos/escutatoria.htm#http://rubemalves.locaweb.com.br/hall/wwpct3/newfiles/escutatoria.php
FEIJÓ, Ana M.L.C; LESSA e Maria B.M.F. (2023). Situações clínicas – 4. Clínica psicológica com casal. 1 edição. Rio de Janeiro. Edições IFEN.
VERDOLIN, Marisa. Textos complementares parte 4- aula 14- Terapia de casal. Abordagem sistêmica.